Monday, October 20, 2008

Almas aprisionadas em Hades


A liberdade é a busca mais intrigante do ser humano, pois ela não existe da forma como muitos a desejam. Vivemos presos a um sistema complexo, composto por nossa cultura, hábitos familiares, influência de amigos, fatos experimentados e diversos outros fatores. E mesmo se conseguíssemos nos libertar deste sistema, ainda estaríamos acorrentados a nossa constituição biológica, que nos impõem a maneira de ver o mundo. Por esta razão, o momento mais próximo à liberdade que podemos experimentar ocorre quando cerramos os olhos, deixando brotar, na escuridão do nosso ser, a luz do inconsciente. Assim, necessariamente, questionamos o conceito da prisão: um homem trancafiado em um presídio de segurança máxima pode ter maior acesso à liberdade que a sociedade que o aprisionou. Afinal, ele tem tempo de sobra para cerrar os olhos.

Thursday, October 09, 2008

Crise na economia global

A crise que atualmente está derrubando as economias de todo mundo, não é uma crise bancária. Também não é a crise de Bush, conforme afirmou o nosso presidente. Tão pouco foi causada por especulação nos mercados imobiliários. Trata-se, acima de tudo, de uma crise de valores. É difícil explicar este ponto de vista sem entrar no clichê do monstro capitalista mastigando a alma humana.

Há décadas filósofos, líderes espirituais e outros teóricos vem alertando a humanidade dos perigos da inversão de princípios. Chegamos ao ponto em que tudo, absolutamente tudo, é medido em dinheiro. Ao se discutir a preservação da Amazônia, a questão central sempre é o valor financeiro da Amazônia. Ninguém simplesmente diz: “vamos preservá-la pois a floresta é linda” ou “é preciso preservar para que futuras gerações tenham o privilégio de conhecê-la.”. O mesmo fenômeno ocorre na arte, o valor de uma obra está no preço. O sujeito quer ter a obra mais cara possível em casa, pois essa, na visão atual do mundo, é a melhor de todas.

A bolha do mercado imobiliário não foi causadora da crise, mas conseqüência. Pessoas penhorando as suas casas em troca de crédito, mesmo quando não precisavam deste crédito, chega a ser insanidade. Arriscaram o que durante séculos considerou-se o único bem intocável do homem, a casa própria, para comprar uma televisão maior e ter o carro do ano. É falácia dizer que Wall Street causou a crise atual; quem a causou fomos todos nós. Wall Street apenas especulou em cima de nossa visão distorcida do mundo, acelerando a conseqüência inevitável.

Do ponto de vista histórico, a crise vem da evolução de um sistema existente desde os grandes impérios e reinados. Quando um rei precisava de dinheiro, geralmente por ter feito uma má gestão, concedia títulos aos ricos comerciantes, em troca de generosas doações. Através destes títulos os comerciantes tinha acesso ao ciclo social, ou seja, passaram a ter um status. No século XX, na visão capitalista do mundo, estes títulos tornaram-se dispensáveis. Bastava ter dinheiro, que automaticamente o acesso aos ciclos sociais estava garantido, principalmente em economias novas, como EUA, Brasil e, recentemente, China e Rússia. Assim pulou-se a etapa formal do “aval do rei”, e a busca social, por si só já condenável, fugiu do controle. Qualquer um, do favelado ao doutor universitário, poderia ingressar na "sociedade" de uma hora para outra, bastava acumular fortuna, mesmo que de forma ilícita. E só para deixar bem claro, o problema central da questão não é um favelado freqüentar os ciclos da "alta sociedade", mas a necessidade da humanidade de se destacar socialmente. A riqueza deixou de ser garantia de conforto e segurança, para tornar-se uma escada social.

Também nos hábitos de consumo há uma grande distorção. Nada contra o consumo, afinal, todos nós precisamos de dinheiro para sobreviver. O problema do consumo está na relação produto novo / status social. Um ser humano dirigindo o mais recente lançamento da indústria automobilística, ou seja, o carro zero, é mais considerado que outro, com um carro de cinco anos atrás. O mesmo vale para as bolsas femininas e os celulares. O sujeito que usa o mesmo celular por mais de dois anos, acaba virando alvo de piada entre os amigos. Mas como fugir deste modelo sem abalar os milhares de empregos que dependem desta constante renovação, principalmente nas indústrias ? É simples, trocando-se a novidade pela manutenção. Se a humanidade optar por ficar com o mesmo carro por dez anos, surgirão milhares de novas vagas em oficinas mecânicas, pois carros antigos precisam de manutenção. Hoje tornou-se mais barato jogar uma impressora defeituosa no lixo a concertá-la. Além de contribuir para a futura escassez de matéria prima, este fenômeno é um reflexo claro da ditadura do novo; a demanda pelo novo é tão grande que este tornou-se barato.

Os astrólogos estão celebrando a suposta chegada da era de aquários, que, segundo previsões, estria se instalando em 2012, livrando a humanidade da ganância e da imagem social. A “era do ter” estaria sendo substituída pela “era do ser”. Sem entrar no mérito desta ciência quase religiosa, seria um modelo interessante para o homem, um passo maduro para o futuro. Deixar de competir por uma imagem vaga e abstrata, para simplesmente viver a existência, de forma responsável, como na música “Imagine” de Lennon. Voltando a questão da quebra de Wall Street, todo mal se destrói sozinho, e, nesse caso, quem se autodestruiu foram os valores adotados pela humanidade. Estamos vivendo um momento extraordinário, o mais importante desde a reconstrução do mundo após a Segunda Guerra Mundial. Tempos de dificuldade sempre trazem em si a semente do recomeço. Cabe a nós, aproveitar esta oportunidade, solucionando de uma só vez três questão coligadas: o aquecimento global, a desigualdade no mundo e o desespero doentio por um lugar ao sol, quando o sol, por natureza, brilha para todos.