Friday, December 04, 2015

precisamos, finalmente, ser realistas

ontem, oito viciados em crack brigavam frente à portaria de meu prédio. liguei para a Guarda Municipal, disseram que eu precisava registrar uma ocorrência pelo 1746, desisti. começou a chover, eles se foram, provavelmente, para incomodar outra pessoa num local mais protegido. os viciados em crack me incomodam, pois não vejo qualquer possibilidade de solução. estão condenados.

lembro dos tempos em que o crack era proibido pelos traficantes cariocas. dizia-se que protegiam os viciados duma droga absurdamente destruidora. foi um tempo em que os traficantes, donos dos morros, carregavam o título de protetor. a sociedade do asfalto via-lhes um benefício, pois, supostamente, impediam assaltos nas redondezas. já nas comunidades, o benefício era a manutenção da ordem, através de punições a estupradores e a ladrões de galinha.

a lua de mel entre a sociedade e os traficantes terminou com o filme Tropa de Elite. evidente que não foi o filme o responsável pela mudança do paradigma, mas tratou-se de um catalizador, para que se enxergasse um problema óbvio. o filme expôs a realidade dos morros dominados pelo tráfico: a relação corrupta com parte da polícia e com algumas ONG’s, a exposição dos moradores a humilhações e a tiroteios, o aliciamento de menores e a guerra sangrenta entre diversas facções.

oito anos se passaram desde o lançamento de Tropa de Elite, e muita coisa mudou nos morros cariocas. criou-se as UPP’s, que afugentaram os traficantes e, durante alguns anos, reduziram a criminalidade nos morros e nas adjacências. a figura do menino de oito anos ostentando um fuzil foi banida para os subúrbios distantes. muita coisa mudou, mas tudo está igual.

em 2007, viciados em crack também ocupavam a calçada da minha rua. sumiram com a chegada das UPP’s, mas reapareceram. os tiroteios ocasionais também retornaram, antes entre traficantes, agora, entre policias das UPP'S e traficantes que voltaram ou tentam voltar. o comércio das drogas retornou de forma oculta. os moradores, que antes se queixavam de abusos por parte dos traficantes, hoje, queixam-se de violência praticada por alguns policiais. a presença do estado continua frágil nas comunidades carentes; embora houvesse alguns avanços iniciais, a sonhada integração entre asfalto e morro jamais ocorreu.

2007, ano do lançamento do filme Tropa de Elite, foi um ano de promessas otimistas. o Brasil foi selecionado para sediar a Copa do Mundo. o Rio de Janeiro oficializou a candidatura para sediar as Olimpíadas. os índices econômicos decolavam, a taxa de juros recuava a patamares recordes, o valor dos imóveis se aproximou ao dos países do primeiro mundo, o crédito era farto, o bolsa família operava milagres, a Petrobrás se transformava em símbolo da competência nacional e o PAC prometia um futuro dourado – dourado como o Urso de Ouro conquistado pelo próprio filme Tropa de Elite em Berlim.

hoje, quando olho para trás, percebo que nada piorou nos últimos anos, pois nada havia melhorado. somente havíamos aplicado uma maquiagem na maneira como enxergamos o Brasil, e a maquiagem derreteu. a Copa do Mundo foi uma grande ilusão, os índices econômicos refletiam apenas o otimismo da época, o alto valor dos imóveis era especulativo, o PAC uma promessa, o bolsa família um tapa-buraco, a Petrobrás um devaneio e o cinema brasileiro não conquistou o mundo. ninguém mais espera absolutamente nada das Olimpíadas, pelo contrário, o evento é visto como um compromisso incômodo que precisará ser cumprido. em 2007, víamos um futuro azul, agora acreditamos num futuro barrento como o lamaçal da Barragem de Mariana.

éramos otimistas, agora somos pessimistas;

precisamos, finalmente, ser realistas.

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